terça-feira, março 18, 2008

Como dizia o velho profeta barbudo...

Quem é louco?


Há 5 nos, nos chamavam de loucos. "Mas que absurdo, o mercado não pode estar em crise, o capital está se expandindo, as empresas nunca lucraram tanto, o sistema nunca foi tão forte. Daonde vocês tiraram essa sandice?"

Não fomos nós. Foi o velho profeta barbudo, Karl Marx, que ao estudar a dinâmica do capitalismo, demonstrou logicamente que esta sociedade, a sociedade produtora de mercadorias, não é eterna nem tampouco natural (como querem crer os economistas que pensam que o homem das cavernas já trocava mercadorias). Como todas as civilizações, ela tem nascimento, desenvolvimento, apogeu, decadência e desaparição.

O que é o capitalismo? Sociedade produtora de mercadorias. Todos os bens são produzidos e distribuídos na forma de mercadoria. Tudo vira mercadoria, principalmente a terra, os instrumentos de produção sociais e a força de trabalho (isso mesmo, nós proletários, os homens-mercadoria despojados de qualquer propriedade de meios de produção e por isso coagidos a vender nossa força de trabalho, nosso tempo e nossa vida para empresas em troca de um mísero salário). Nem um pãozinho pode ser de graça. Nenhum trabalho pode ser social. Tudo se troca, tudo se compra, tudo se vende. E o drama pior: como temos que vender nossa força de trabalho, quem dela se apropria, nos paga um salário, mas na verdade, produzimos muito mais do que ganhamos em termos de valor. Esse “mais-valor” (a famigerada-mais-valia) é o rabo do cachorro: é o que o faz ficar dando voltas e tentando se abocanhar, num fim em si mesmo irracional. É o motor do desenvolvimento econômico, do turbilhão que devasta os recursos naturais, explora e empobrece bilhões de pessoas, para produzir cada vez mais mercadorias, para aumentar a produção. Produzir por produzir. Mesmo que isso signifique condenar metade da humanidade à miséria do desemprego, outra metade à exploração, e destruir o meio ambiente ameaçando a vida na terra. Sufocar as crianças em pilhas de lixo. E inventar a figura do “mendigo ecológico” que vive do lixo como exemplo de empreendedorismo.

Mas será isso tudo infinito? Além dos limites naturais, essa sociedade também possui seus limites lógicos internos. Para existir, ela precisa sempre se expandir. Parar este movimento significa o colapso. Mas este crescimento tem também seus limites, por algumas razões.

A lógica empresarial é a da concorrência e redução de custos. Isso significa produzir as mercadorias em tempo cada vez menor, com um uso cada vez maior de trabalho morto (máquinas) e menor de trabalho vivo (assalariados). Só que só o trabalho vivo, assalariado, é que pode ser explorado e gerar mais valor do que ele recebe como salário. Isso significa que o aumento do trabalho morto em relação ao trabalho vivo reduz a geração de novo valor a nível global. O número de assalariados aumenta, mas o “trabalho morto” aumenta mais ainda. O valor explorado dos trabalhadores aumenta, mas em proporções cada vez menores. Os lucros crescem cada vez menos e a taxa geral de lucros vai despencando. Cria-se um imenso desemprego. E os que trabalham são cada vez mais explorados.

É claro, esse movimento não é linear. Com crédito, monopólios, ação do Estado, guerras, as empresas conseguem ciclicamente elevar de novo a taxa de lucro. Mas, ao longo da história do capitalismo, a taxa de lucro historicamente despenca, numa tendência inexorável.

Isso significa que o sistema produtor de mercadorias tem limites lógicos. Mas o que seria a atual crise?

Desde 1992, com o colapso do capitalismo de estado do Leste, inaugura-se uma crise geral. O Japão logo quebra em 1992, os Tigres Asiáticos em 1997, o mercado financeiro em 2001. Mas estas crises são atenuadas, pois os EUA compram a superprodução (excedente invendável) destes países e assim, sustentam sua economia. Vide que os EUA compram a maior parte da produção chinesa. Mas isso tem um custo: dar injeções de ar no consumo interno americano. Eis a panacéia do Capital: o sistema de crédito! Financiar consumo com endividamento, financiar produção, que gera capital fictício, números estratosféricos nas bolsas, mas com cada vez menos realidade material. E tudo isso mantido com uma exploração cada vez maior da força de trabalho e fim dos direitos trabalhistas. China é o exemplo!

Mas esta bolha toda tem limites. O sistema de crédito não é infinito, uma hora a realidade cobra caro da ficção. Os EUA financiavam o consumo com hipotecas das casas, numa imensa bolha imobiliária, que acabou de estourar. Com o estouro do sistema de crédito, o pneu furou. O consumo interno dos EUA quebra, e eles param de comprar a produção mundial. China, Índia, Brasil, países exportadores de petróleo (inclusive a Venezuela) vão de rodamoinho junto numa crise global.

As conseqüências desta crise não são previstas ainda. O capitalismo não vai acabar da noite pro dia. Podemos esperar: mais desemprego, salários piores, mais violência, mais guerras, menos direitos trabalhistas, mais exploração e opressão, mais despejos. A reprodução do capitalismo vai ficar cada vez mais difícil. Mas já é hora da humanidade perceber que o mundo não é uma mercadoria, e colocar um limite histórico no autômato enlouquecido do Capital.

Também não resolverá a ação dos Estados, uma vez que com a crise da produção de valor, os Estados Nacionais, que se alimentam e se mantém justamente desse valor, na forma de impostos, entram em crise de financiamento, colapso e são desmontados. Não há saídas para este processo pela via institucional nem pelos seus partidos direcionados à tomada do poder estatal. Mais facilmente as guerras civis urbanas levam os Estados à decomposição, do que se pode esperar uma ação estatal que supere a crise.

Este processo também não significa em hipótese nenhuma que estamos diante de uma nova sociedade emancipada. Pelo contrário, estamos às portas de uma barbárie sem precedentes, e aqui o socialismo se apresenta não como uma utopia, mas como a ação mais realista possível. A humanidade não tem mais nada a perder. Não há mais justificativa, quando se tem meios tecnológicos de uma produtividade brutal, se trabalhar tanto e ainda haver desemprego e miséria. E não há justificativa em se produzir muito mais do que se consome, enquanto há fome e miséria. É preciso reinventar o espectro do comunismo, e erguer uma contestação global contra a ditadura totalitária da mercadoria.



Paulo Marques

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