quinta-feira, dezembro 31, 2009

A desesperança que produz a verdadeira esperança

No caos desse mundo que estamos vivendo, só acredito que haja as melhoras necessárias na política de reassentamento e o devido respeito à vida humana por parte daqueles que detém o poder, depois de ver essas melhoras efetivamente consumadas. Felizmente, há muito perdi a esperança. Felizmente, porque é justamente essa desesperança na esperança de que nossos políticos e dirigentes das mega-ongs como a cáritas façam alguma coisa de bom e de humanitário que me move a continuar lutando. Se eu tivesse a mesma esperança que a maioria do povo sofrido tem, talvez eu já tivesse desistido de lutar.




Para não dizer que sou totalmente desprovido de esperança, eu tenho uma esperança: acredito que a salvação do mundo está nas mãos dos poucos que, como nós, ainda não desistiram de lutar.



No caso dos refugiados, o crime da Acnur-Brasil, da Cáritas e do Conare foi tê-los feito acreditar que teriam tudo o que necessitariam para a adaptação no Brasil, quando honesto seria tê-los dito que dependeriam só de si mesmos. A esperança no cumprimento das promessas feitas antes de os trazerem ao Brasil os fizeram esperar, esperar o que jamais seria cumprido.



Não ter esperança de que a burocracia produza algo de bom e justo é o que nos faz mover para as mudanças necessárias rumo a um mundo mais racional e humanitário, na medida em que nos obriga a assumir as rédeas do nosso destino, nos permite adquirir autonomia e nos preparamos para enfrentar e superar as dificuldades.

domingo, dezembro 27, 2009

A Justiça na UTI

Por Janice Agostinho Barreto Ascari - procuradora regional da República
e ex-conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público

Folha de São Paulo


Após sucessivas intervenções jurídicas incomuns encontra-se agonizando,

em estado grave, um dos mais escabrosos casos de corrupção e crimes de

colarinho branco de que se teve notícia no Brasil.



A Operação Satiagraha surpreendeu o País. Nem tanto pelos crimes

(corrupção, lavagem de dinheiro e outros), velhos conhecidos de todos,

mas sim pelas manifestações de autoridades e de instituições públicas e

privadas em defesa dos investigados.



Nunca se viu tamanho massacre contra os responsáveis pela investigação e

julgamento do caso. Em vez do apoio à rigorosa apuração e punição,

buscou-se desacreditar e desqualificar a investigação criminal colocando

em xeque, com ataques vis e informações orquestradas e falaciosas, o

sério trabalho conjunto do Ministério Público Federal e da Polícia

Federal, bem como a atuação da Justiça Federal.



O poder tornou vilões os que sempre se pautaram por critérios puramente

jurídicos e recolocaram a questão no campo técnico, no cumprimento do

dever funcional. Pouco se fala dos crimes e dos verdadeiros réus.

Em julho de 2008, decretou-se a prisão dos investigados pela

possibilidade real de orquestração e destruição de provas.



A prisão preventiva do cabeça da organização foi criteriosamente

determinada em sólida decisão, embasada em documentos e em fatos

confirmados nos autos, como a grande soma de dinheiro apreendida com os

investigados, provando ser hábito do grupo o pagamento de propinas a

autoridades.



Apesar de tantas evidências, o presidente do STF revogou a prisão por

duas vezes em menos de 48 horas. Os fatos criminosos, gravíssimos, foram

ignorados. Pateticamente, o plenário do STF referendou o "HC

canguru" (aquele habeas corpus que pula instâncias) e voltou-se contra o

juiz, mas sem a anuência dos ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio

-este, aliás, o único que leu e analisou minuciosamente as decisões de

primeiro grau.



Iniciou-se um discurso lendário, inconsequente e retórico para incutir,

por repetição, a ideia da existência de um terrível "Estado

policialesco" e da "grampolândia" brasileira, uma falação histriônica a

partir de um "grampo" que jamais existiu.



Alcançou-se o objetivo de afastar policiais experientes, de trabalho

nacionalmente reconhecido e consagrado: o então diretor da Abin foi

convidado a deixar o cargo; o delegado de Polícia Federal que presidiu o

inquérito foi afastado das funções e corre risco de exoneração.



Outra vertente é aniquilar a atuação da Justiça de 1º grau, afastando o

juiz. Cada decisão técnica, porque contrária aos réus, passou a ser

tachada de arbitrária e parcial. Muitas foram as armadilhas postas para

atacar pessoalmente o juiz e asfixiar a atividade da primeira instância,

por meio de centenas de petições, habeas corpus, mandados de segurança e

procedimentos disciplinares.



No apagar de 2009, duas decisões captaram a atenção da comunidade

jurídica. A primeira, pelo ineditismo: na Reclamação 9324, ajuizada

diretamente no STF, alegou-se dificuldade de acesso aos autos. O juiz

informou ter deferido todos os pedidos de vista. Sobreveio a inusitada

liminar: o ministro Eros Grau determinou que todas as provas originais

fossem desentranhadas do processo (!) e encaminhadas ao seu gabinete.

Doze caixas de provas viajaram de caminhão por horas a fio e agora

repousam no STF.



A segunda foi a liminar dada pelo ministro Arnaldo Esteves Lima (STJ, HC

(JANICE ASCARI) 146796), na véspera do recesso. Por meio de uma decisão

pouco clara e de apenas 30 linhas, apesar da robusta manifestação

contrária da Procuradoria-Geral da República, todas as ações e

investigações da Satiagraha foram suspensas e poderão ser anuladas,

incluindo o processo no qual já houve condenação por corrupção.



A alegação foi de suspeição do juiz, rechaçada há mais de um ano pelo

TRF-3ª Região. Curiosamente, o réu não recorreu naquela ocasião.

Preferiu esperar dez meses para impetrar HC no STJ, repetindo a mesma

tese. As duas decisões são secretas.



Não foram publicadas e não constam dos sites do STF e do STJ. Juntas,

fulminam uma megaoperação que envolveu anos de trabalho sério. Reforçam

a sensação de impunidade para os poderosos, que jamais prestam contas à

sociedade pelos crimes cometidos.



Espera-se que os colegiados de ambas as cortes revoguem as decisões e

permitam o prosseguimento dos processos. A sociedade precisa de

segurança e de voltar a ter confiança na Justiça imparcial, aquela que

deve aplicar a lei a todos, indistintamente.